POEMA DO TER

Tinha três celulares e não tinha um telefonema que viesse do coração.
Tinha carro do ano e não tinha passeio de mãos dadas, bucólico, na praça.
Tinha fartura de comida e, graças a Deus, ainda tenho, e não tinha uma boa companhia na hora do vinho tinto ou do picolé de limão.
Tinha viagens de muitas milhas e não tinha gargalhadas à farta diante de lindas paisagens.
Não tinha tempo quase algum para admirar o sol que se punha ou a lua que se erguia, prateada e majestosa;
Não tinha tempo para afundar os pés na areia ou para saltar entre rochas de cachoeiras borbulhantes.
Tinha, sim, muita correria, muita dor de garganta, e não tinha braços fortes que, espontâneos, reconfortassem nos sábados à noite.
Tinha uma vida intensa, pela metade,
E não tinha olhos castanho-esverdeados que me vissem como realmente sou.
Tinha quase tudo que tem nas propagandas e não tinha quase nada que, sem saber, só sonhava nas horas escondidas do sono.
Tinha o que conseguia ver e pegar;
Não tinha o que sentia e pensava lá no fundinho da alma.
Tinha dinheiro para muitas coisas e não tinha como comprar o que mais desejava.
Não tinha quase nada.
Hoje tenho tudo. E tenho você porque tive, primeiro, a mim mesma.